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segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A ÚLTIMA CANÇÃO



Quando disserem os médicos
Que nada há a fazer,
Eu quero que tu me cantes
Uma canção de bem-morrer...

Mario Quintana,
in A cor do invisível

O BAILARINO




Não sei dançar.
Minha maneira de dançar é o poema.

Mario Quintana,
in Cor do invisível

HAI-KAI DA PALAVRA ANDORINHA



A palavra andorinha
Freme devagarinho
E some em silêncio...

Mario Quinana,
in A cor do invisível

domingo, 29 de setembro de 2013

OUTRA CANÇÃO



Não me deixem ir tão só,
Tão só, transido de frio...
Eu quero um renque de vozes
Por toda a margem do rio!
Como alguém que adormecendo
E umas vozes escutando,
Nem soubesse que as ouvia,
Nem soubesse que as ouvia
Ou se estava sonhando,
Eu quero um renque de vozes
Por toda a margem do rio:
Vozes de amigo calor
Na lenta e escura descida
Como lanternas de cor
E aonde mais longe eu me for
(Quanto mais longe da vida!)
A borboleta perdida
Da tua voz, pobre amor...

Mario Quintana
In:Esconderijos do Tempo

NO SILÊNCIO TERRÍVEL


No silêncio terrível do Cosmos
Há de ficar uma última lâmpada acesa
Mas tão baça
Tão pobre
Que eu procurarei, às cegas, por entre os papéis revoltos,
Pelo fundo dos armários,
Pelo assoalho, onde estarão fugindo imundas ratazanas,
O pequeno crucifixo de prata
-O pequenino, o milagroso crucifixo de prata que tu me deste um dia
Preso a uma fita preta.
E por ele os meus lábios convulsos chorarão
Viciosos do divino contato da prata fria...
Da prata clara, silenciosa, divinamente fria – morta!
E então a derradeira luz se apagará de todo...
Mario Quintana 
In: O Aprendiz de Feiticeiro









sexta-feira, 27 de setembro de 2013

AS ESTRELAS



Foram-se abrindo aos poucos as estrelas...
De margaridas lindo campo em flor!
Tão alto o céu!... Pudesse eu ir colhê-las...
Diria alguma si me tens amor...


Estrelas altas! Que me importam elas?
Tão longe estão!... Tão longe deste mundo...
Trêmulo bando de distantes velas
Ancoradas no azul do céu profundo...


Porém meu coração quase parou,
Lá foram voando as esperanças minhas
Quando uma, dentre aquelas estrelinhas,


Deus a guie! Do céu se despencou...
Com certeza era o amor que tu me tinhas
Que repentinamente se acabou!...


Mario Quintana,
in A cor do invisível

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

CANÇÃO PARALELA



Por uma escada que levava até o rio. . .
Por uma escarpa que subia até as nuvens. . .
Pezinhos nus
Desceram. . .
Mãos nodosas
Grimparam. . .

E havia um coraçãozinho que batia assustado, assustado. . .
E um coração tão duro que era como se estivesse parado. . .
Um escorria fel. . .
O outro, lágrimas. . .
No rosto dele havia sulcos como de arado. . .
No rosto dela a boca era uma flor machucada. . .

E até a morte os separou!


Mário Quintana
In: Canções

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

CANÇÃO DE NUVEM E VENTO




Medo da nuvem
Medo Medo
Medo da nuvem que vai crescendo
Que vai se abrindo
Que não se sabe
O que vai saindo
Medo da nuvem Nuvem Nuvem
Medo do vento
Medo Medo
Medo do vento que vai ventando
Que vai falando
Que não se sabe
O que vai dizendo
Medo do vento Vento Vento
Medo do gesto
Mudo
Medo da fala
Surda
Que vai movendo
Que vai dizendo
Que não se sabe. . .
Que bem se sabe
Que tudo é nuvem que tudo é vento
Nuvem e vento Vento Vento!



Mário Quintana
In: Canções

EVOLUÇÃO



Todas as noites o sono nos atira da beira de um cais
e ficamos repousando no fundo do mar.
O mar onde tudo recomeça...
Onde tudo se refaz...
Até que, um dia, nós criaremos asas.
E andaremos no ar como se anda em terra.


Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo

terça-feira, 24 de setembro de 2013

O POETA CANTA A SI MESMO


O poeta canta a si mesmo
porque nele é que os olhos das amadas
têm esse brilho a um tempo inocente e perverso...
O poeta canta a si mesmo
porque num seu único verso
pende — lúcida, amarga —
uma gota fugida a esse mar incessante do tempo...
Porque o seu coração é uma porta batendo
a todos os ventos do universo.
Porque além de si mesmo ele não sabe nada
ou que Deus por nascer está tentando agora ansiosamente respirar
neste seu pobre ritmo disperso!
O poeta canta a si mesmo
porque de si mesmo é diverso.

Mario Quintana,
in Preparativos de viagem

SELVA SELVAGGIA



As palavras espiam como animais:
umas, rajadas, sensuais, que nem panteras...
outras, escuras, furtivas raposas...
mas as mais belas palavras estão pousadas nas frondes
mais altas, como pássaros...
O poema está parado em meio da clareira.
O poema
caiu
na armadilha! debate-se
e ora subdivide-se e entrechoca-se como esferas de
vidro colorido
ora é uma fórmula algébrica
ora, como um sexo, palpita... Que importa
que importa qual seja enfim o seu verdadeiro universo?
Ele em breve será inteiramente devorado pelas palavras!



Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

DA RECORDAÇÃO



A recordação é uma cadeira de balanço
embalando sózinha.

Mario Quintna,
in Prosa & Verso

AMAR É MUDAR A ALMA DE CASA



Amar é mudar a alma de casa,
é ter no outro, nosso pensamento.
Amar é ter coração que abrasa,
amar, é ter na vida um acalento.

Amar é ter alegria que extravasa,
amar é sentir-se no firmamento.
"Amar é mudar a alma de casa",
é ter no outro, nosso pensamento.

Amar, é aquilo que embasa,
é ter comprometimento.
Amar é, voar sem asa,
e porque amar é acolhimento,
"amar é mudar a alma de casa"


- Mario Quintana,
in "Apontamentos de História Sobrenatural".

As LUAS



Andou fazendo nevoeiro. De noite...
que lindo! Parece que estiveram passando borracha na paisagem.
Apenas sobravam os lampiões. Minto! Só os focos dos lampiões
sobravam, luas soltas no ar. De modo que ontem pela madrugada
eu ia andando por uma noite cheia de luas. Tu nem imaginas o
que é uma noite com uma porção de luas... A gente...
- Já sei! Fizeste um poema...
- Não. Caí num buraco.

Mario Quintana,
in Porta Giratória

domingo, 22 de setembro de 2013

PRIMAVERA



As águas riem como raparigas
à sombra verde-azul das samambaias.

Mario Quintana,
in A Cor do invisível



CANÇÃO DA PRIMAVERA




Um azul do céu mais alto,
Do vento a canção mais pura
Me acordou, num sobressalto,
Como a outra criatura...

Só conheci meus sapatos
Me esperando, amigos fiéis,
Tão afastado me achava
Dos meus antigos papéis!

Dormi, cheio de cuidados
Como um barco soçobrando,
Por entre uns sonhos pesados
Que nem morcegos voejando...

Quem foi que ao rezar por mim
mudou o rumo da vela
Para que eu desperte, assim,
Como dentro de uma tela?

Um azul do céu mais alto,
Do vento a canção mais pura
E agora... este sobressalto...
Esta nova criatura!

Mario Quintana 
de 'Nariz de Vidro'

sábado, 21 de setembro de 2013

CANÇÃO DO DIA DE SEMPRE



Tão bom viver dia a dia...
A vida assim, jamais cansa...

Viver tão só de momentos
Como estas nuvens no céu...

E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência... esperança...

E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.

Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.

Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!

E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas...


Mário Quintana,
in Canções

UM POUCO DE GEOMETRIA



A curva é o caminho mais agradável
entre dois pontos.

Mario Quintana,
in Prosa & Verso




O QUE O VENTO NÃO LEVOU...



No fim tu hás de ver que as coisas mais leves são as únicas
que o vento não conseguiu levar:

um estribilho antigo,
um carinho no momento preciso,
o folhear de um livro de poemas,
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...

Mario Quintana ,
in A cor do invisível

CANÇÃO DA PRMAVERA


Para Erico Veríssimo

Primavera cruza o rio
Cruza o sonho que tu sonhas.
Na cidade adormecida
Primavera vem chegando.

Catavento enlouqueceu,
Ficou girando, girando.
Em torno do catavento
Dancemos todos em bando.

Dancemos todos, dancemos,
Amadas, Mortos, Amigos,
Dancemos todos até
Não mais saber-se o motivo. . .

Até que as paineiras tenham
Por sobre os muros florido!



Mário Quintana
In: Canções

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

ENCANTAÇÃO DA PRIMAVERA




Brotam brotinhos na tarde feita
Só de suspiros:
O amor é um vírus...
Apenas o general de bronze continua de bronze!
O vento desrespeita todos os sinais de tráfego.
Velhinhos de gravata-borboleta
Sobem e descem como autogiros.
O guarda do trânsito virou cata-vento.
As mulheres são de todas as cores como esses manequins
[expostos nas vitrinas,
E onde é que estão, me conta, as tuas esperanças mortas?
Lá vão elas tão lindas vestidas de verde
Como Ofélias levadas pelos rios em fora
Enquanto eu nem me atrevo a olhar para o alto: repara se
[não é
O Espírito Santo que vem descendo em lento vôo
E até ele, até Ele, deve estar assim, assim, todo irisado
Como os olhos das crianças, como as maravilhosas bolinhas
[de gude!
Não... Deve ser algum disco voador, apenas...
Ou então, uma dessas boas Irmãs de largas toucas brancas,
As mãos ao peito,
E que no céu deslizam como planadores.
Mas olha: mansamente lá vem atravessando a rua
Uma linda avozinha com sua neta pela mão.
(Uma avozinha consigo mesma pela mão!)
Bem... depois disto... não me perguntes nada, nada...

A Primavera mora no País do Agora!

Mario Quintana -
Apontamentos de História Sobrenatural (1976)


DESESPERO



Não há nada mais triste do que o grito
de um trem no silêncio noturno.
É a queixa de um estranho animal perdido,
único sobrevivente de alguma espécie extinta,
e que corre, corre, desesperado, noite em
fora, como para escapar à sua orfandade e
solidão de monstro.

Mario Quintna,
in

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

DEPOIS



Nem a coluna truncada:
Vento.
Vento escorrendo cores,
Cor dos poentes nas vidraças.
Cor das tristes madrugadas.
Cor da boca...
Cor das tranças...
Ah,
Das tranças avoando loucas
Sob sonoras arcadas...
Cor dos olhos...
Cor das saias
Rodadas...
E a concha branca da orelha
Na imensa praia
Do tempo.

Mario Quintana
In Melhores Poemas 

O TEMPO



O tempo é a insônia da eternidade

Mario Quintana,
in 80 anos de Poesia

HAVIA



Havia naquele tempo tanta coisa,
Tanta coisa que subiria depois como um balão azul
Quando eu precisasse de um pretexto urgente para não me matar...
Havia
A que passava cuidadosamente os meus poemas a ferro
(e nisso eu vejo agora a maior poesia deles...)
Havia a que sabia fingir que me escutava,
Que parecia beber até, com seus grandes olhos,
Os meus solilóquios
(eram tão chatos que só podiam ser solilóquios mesmo...)
E havia, entre todas,
A Eleita,
A que cortava as unhas da minha mão direita
(agora tenho que recorrer a profissionais...)
E havia, entre as demais,
A que ficou não sei onde esquecida

MARIO QUINTANA
In: Baú de Espantos

O JOGO DA ESPERANÇA



- Quando morremos acontece com as nossas esperanças o
mesmo que com esse brinquedo de estátuas, em que todos
se imobilizam de súbito, cada qual na posição do momento.
Mas as esperanças têm menos paciência.
E vão imediatamente continuar, no coração de outros,
o seu velho sonho interrompido.

Mario Quintana, in
Da preguiça como método de trabalho

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

ANOITECER



Da chaminé da tua casa 
Uma por uma 
Vão brotando as estrelinhas... 


 MARIO QUINTANA 
In A cor do invisível, 1989 



AS BRUXAS DE PANO



As bruxas de pano 
tão maternalmente embaladas 
pelas menininhas pobres 
são muito mais belas 
do que as bonecas suntuosas como princesas 
— orgulho das vitrinas... 
Essas humildes bruxas de pano 
com seus olhinhos de conta 
suas bocas tão mal desenhadas a tinta 
são muito mais belas porque mais amadas! 


 MARIO QUINTANA 
In A cor do invisível, 1989 





O LÍMPIDO CRISTAL



Que límpido o cristal de abril!... Um grito
não vai como os da noite – para os extra-mundos...
Todas as vozes, todas as palavras ditas – cigarras presas
dentro do globo azul – vão em redor do mundo
e a ninguém é preciso entender o que elas dizem;
basta aquele bordoneio profundo
que vibra com o peito de cada um...
palavras felizes de se encontrarem uma com a outra
nas solidões do mundo!

Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo

terça-feira, 17 de setembro de 2013

NUNCA NINGUÉM SABE



Nunca ninguém sabe se estou louco para
rir ou para chorar.
Por isso o meu verso tem
Esse quase imperceptível tremor...
A vida é louca, o mundo é triste:
Vale a pena matar-se por isso?
Nem por ninguém!
Só se deve morrer de puro amor...

Mario Quintana,
in Preparativos de viagem (1989)

NOTURNO CITADINO



Um cartaz luminoso ri no ar.
Ó noite, ó minha nega
toda acesa
de letreiros!... Pena
é que a gente saiba ler... Senão
tu serias de uma beleza única
inteiramente feita
para o amor dos nossos olhos.



Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

DIA DE CHUVA




Dia de chuva
É para a gente rasgar cartas antigas...
Folhear lentamente um livro de poemas...
Não escrever nenhum...

Mario Quintana,
in Preparativos de viagem

A CANÇÃO DO MAR



Esse embalo das ondas
Das ondas do mar
Não é um embalo
Para te ninar...

O mar é embalado
Pelos afogados!

O canto do vento
Do vento no mar
Não é um canto
Para te ninar...

São eles que tentam
Que tentam falar!

Tiveram um nome
Tiveram um corpo
Agora são vozes
Do fundo do mar...

Um dia viremos
Vestidos de algas

Os olhos mais verdes
Que as ondas amargas

Um dia viremos
Com barcos e remos

Um dia...

Dorme, filhinha...
São vozes, são vento, são nada...



Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo

A CANÇÃO QUE NÃO FOI ESCRITA


Alguém sorriu como Nossa Senhora à alma triste do Poeta.
Ele voltou para casa
E quis louvar o bem que lhe fizeram.

Adormeceu. . .

E toda a noite brilhou no sono dele uma pobre estrelinha perdida,
Trêmula
Como uma luz contra o vento. . .



Mário Quintana
In: Canções

domingo, 15 de setembro de 2013

''A GENTE AINDA NÃO SABIA''



A gente ainda não sabia que a Terra era redonda.
E pensava-se que nalgum lugar, muito longe,
Deveria haver num velho poste uma tabuleta qualquer
— uma tabuleta meio torta

E onde se lia, em letras rústicas: FIM DO MUNDO.
Ah! Depois nos ensinaram que o mundo não tem fim
E não havia remédio senão irmos andando às tontas
Como formigas na casca de uma laranja.
Como era possível, como era possível, meu Deus,
Viver naquela confusão?
Foi por isso que estabelecemos uma porção de fins de mundo...

Mario Quintana
de 'Nariz de Vidro'

INSCRIÇÃO PA UM PORTÃO DE CEMITÉRIO


"A morte não melhora ninguém..."

Mario Quintana ,
in Da preguiça como método de trabalho

CANÇÃO MEIO ACORDADA



Laranja! grita o pregoeiro.
Que alto no ar suspensa!
Lua de ouro entre o nevoeiro
Do sono que se esgarçou.
Laranja! grita o pregoeiro.
Laranja que salta e voa.
Laranja que vais rolando
Contra o cristal da manhã!
Mas o cristal da manhã
Fica além dos horizontes. . .
Tantos montes. . . tantas pontes. . .
(De frio soluçam as fontes. . .)
Porém fiquei, não sei como,
Sob os arcos da manhã.
(Os gatos moles do sono
Rolam laranjas de lã.)



Mário Quintana
In: Canções

sábado, 14 de setembro de 2013

POESIA



Às vezes tudo se ilumina de uma intensa irrealidade,
 e é como se agora este pobre, este único, 
este efêmero minuto do mundo estivesse pintado
 numa tela, sempre...


Mario Quintana ,
in Porta Giratória




OS NOMES



Como não lhes interessa o que parece inútil, 
os campônios não dão importância às flores do campo.
 É o que parece. Mas a gente fica a perguntar-se
 como é que essas flores silvestres conseguiram
 então ter nomes populares: margaridas,
 amores-perfeitos, coisas assim!

Mario Quintana, 
in Porta Giratória

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

UM PASSEIO NA MATA



Ouço, num primitivo espanto,os gritos mais insólitos.
Não sei o nome de nenhum desses pássaros, de nenhuma 
dessas árvores. Olho, agora, esta flor: apenas sei 
que é amarela. Meu pensamento, ou seja lá o que for,
é simplesmente composto de adjetivos, como nos
primeiros dias da Criação.

Mario Quintana,
in Caderno H


OS GATOS, AS ADOLESCENTES, OS ÁLAMOS



Os gatos, as adolescentes, os álamos
Compensam a feia rigidez do mundo
Porque tudo quanto é mecânico é rígido
- mesmo que seja um automóvel desobedecendo 
a todos os sinais de tráfego.
E só nos resta, agora, olhar o vôo de uma ave...
(Se ainda sobrou alguma.)


Mario Quintana ,
in A Cor do Invisível


quinta-feira, 12 de setembro de 2013

NEVOEIRO



Sinto-me naquela antiga Londres
Onde eu quisera ter andado
Nos tempos de Sherlock - o Lógico
E de Oscar – o pobre Mágico... 


Mario Quintana,
in Velório sem Defunto


quarta-feira, 11 de setembro de 2013

PREGUIÇA



 Certa vez abalancei-me a um trabalho intitulado “Preguiça”.
 Constava do título e de duas belas colunas em branco,
 com a minha  assinatura no fim. Infelizmente não foi aceito
 pelo supercilioso  coordenador da página literária.
 Já viram desconfiança igual? 
 Censurar uma página em branco é o cúmulo da censura.

Mario Quintana ,
in Caderno H





terça-feira, 10 de setembro de 2013

NO SILÊNCIO TERRIVEL



No silêncio terrível do Cosmos
Há de ficar uma última lâmpada acesa
Mas tão baça
Tão pobre
Que eu procurarei, às cegas, por entre os papéis revoltos,
Pelo fundo dos armários,
Pelo assoalho, onde estarão fugindo imundas ratazanas,
O pequeno crucifixo de prata
-O pequenino, o milagroso crucifixo de prata que tu me deste um dia
Preso a uma fita preta.
E por ele os meus lábios convulsos chorarão
Viciosos do divino contato da prata fria...
Da prata clara, silenciosa, divinamente fria – morta!
E então a derradeira luz se apagará de todo...

Mario Quintana 
In:O Aprendiz de Feiticeiro







A NOITE




A noite é uma enorme Esfinge de granito negro
La fora.
Eu acendo a minha lâmpada de cabeceira.
Estou lendo Sherlock Holmes.
Mas, nos ventres, há fetos pensativos desenvolvendo-se...
E há cabelos que estão crescendo, lentamente, por debaixo da terra,
Junto com as raízes úmidas...
E há cânceres...cânceres!...distendendo-se como lentos dedos...
Impossível, meu caro doutor Watson, seguir o fio desta sua confusa e
deliciosa história.
A noite amassa pavor nas entrelinhas.
É um grude espesso, obscuro...
Vontade de gritar claros nomes serenos
PALLAS NAUSICAA ATHENA Ai, mas os deuses se foram...
Só tu aí ficaste
Só tu, do fundo da noite imensa, a agonizares eternamente na tua cruz!...

Mario Quintana,
In: O Aprendiz de Feiticeiro

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

III - QUANDO OS MEUS OLHOS...



Quando os meus olhos de manhã se abriram, 
Fecham-se de novo, deslumbrados: 
Uns peixes, em reflexos doirados, 
Voavam na luz: dentro da luz sumiram-se 

Rua em rua, acenderam-se os telhados.
Num claro riso as tabuletas riram.
E até no canto onde os deixei guardados
Os meus sapatos velhos refloriram.

Quase que eu saio voando céu em fora!
Evitemos, Senhor, esse prodígio... 
As famílias, que haviam de dizer?

Nenhum milagre é permitido agora...
E lá se iria o resto de prestígio
Que no meu bairro eu inda possa ter!...


Mario Quintana 
Em: A Rua dos Cataventos, pág. 21