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quarta-feira, 7 de abril de 2021

O ANJO NA ESCADA


O ANJO NA ESCADA 

Na volta da escada, 
Na volta escura da escada. 
O Anjo disse o meu nome. 
E o meu nome varou de lado a lado o meu peito. 
E vinha um rumor distante de vozes clamando 
clamando... 
Deixa-me! 
Que tenho a ver com as tuas naus perdidas? 
Deixa-me sozinho com os meus pássaros... 
com os meus caminhos... 
com as minhas nuvens... 

Mario Quintana,
Em: O Aprendiz de Feiticeiro


Agradeço sua visita. 
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terça-feira, 6 de abril de 2021

Os Parceiros




Os Parceiros

Sonhar é acordar-se para dentro:
de súbito me vejo em pleno sonho
e no jogo em que todo me concentro
mais uma carta sobre a mesa ponho.

Mais outra! É o jogo atroz do Tudo ou Nada!
E quase que escurece a chama triste…
E, a cada parada uma pancada,
o coração, exausto, ainda insiste.

Insiste em quê? Ganhar o quê? De quem?
O meu parceiro…eu vejo que ele tem
um riso silencioso a desenhar-se

numa velha caveira carcomida.
Mas eu bem sei que a morte é seu disfarce…
Como também disfarce é a minha vida!

Mario Quintana
O Anjo da Escada (2006)


Obs.: peguei essa foto no Mercado Livre. Não conheço esse livro.


Agradeço sua visita. 
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Ah! Os Relógios



Ah! Os Relógios

Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios…

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida – a verdadeira –
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém – ao voltar a si da vida –
acaso lhes indaga que horas são… 

Mario Quintana
A Cor do Invisível

segunda-feira, 16 de março de 2015

As Belas, As Perfeitas Máscaras



As belas, as perfeitas máscaras de perfil severo
Que a morte, no silêncio, esculpe,
Encheram-se de uma estranha claridade...
Que anjos tocam, através do mundo e das estrelas,
Através dos sensíveis rumores,
O canto grave dos violoncelos profundos?
Alma perdida, vagabunda, Messalina sonâmbula,
insaciada...


Que procuras na noite morta, Alma transviada,
Com tuas mãos vazias e tristes?
Cantam os violoncelos... A noite sobe como um
balão...

Meus olhos vão ficando cada vez mais lúcidos...
Soluçam os violoncelos... Ah,
Como é gelado o teu lábio,
Pura estrela da manhã!


Mario Quintana;
De: Aprendiz de Feiticeiro, 1950

[Arte de Maria Sollozi ]

O SILÊNCIO


Há um grande silêncio que está à escuta...
E a gente se põe a dizer inquietamente qualquer coisa,
qualquer coisa, seja o que for,
desde a corriqueira dúvida sobre se chove ou não chove hoje
até a tua dúvida metafísica, Hamleto!

E, por todo o sempre, enquanto a gente fala, fala, fala
o silêncio escuta...
e cala.


Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo

VIDA






Não sei
o que querem de mim essas árvores
essas velhas esquinas
para ficarem tão minhas só de olhar um momento.

Ah! se exigirem documentos aí do Outro Lado,
extintas as outras memórias,
só poderei mostrar-lhes as folhas soltas de um álbum
de imagens:
aqui uma pedra lisa, ali um cavalo parado
ou
uma
nuvem perdida,
perdida,
Meu Deus, que modo estranho de contar uma vida!


Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo

Epílogo

 
Não, o melhor é não falares,
não explicares coisa alguma.
Tudo agora está suspenso.
Nada aguenta mais nada.
E sabe Deus o que é que desencadeia as catástrofes,
o que é que derruba um castelo de cartas!
Não se sabe...
Umas vezes passa uma avalanche
e não morre uma mosca...
Outras vezes senta uma mosca
e desaba uma cidade.



Mario Quintana,
de: Sapato Florido, 1948.

XXII



 Dos nossos males
É sem razão, e é sem merecimento,
Que a gente a sorte maldiz:
Quanto a mim, sempre odiei o sofrimento,
Mas nunca soube ser feliz...



Mario Quintana,
in Espelho Mágico

XXXI



É outono. E é Verlaine... O Velho Outono
Ou o Velho Poeta atira-me à janela
Uma das muitas folhas amarelas
De que ele é o dispersivo dono...

E há uns salgueiros a pender de sono
Sobre um fundo de pálida aquarela.
E há (está previsto) este abandono...
Ó velhas rimas! É acabar com elas!

Mas o Outono apanha-as... E, sutil,
Com o rosto a rir-se em rugazinhas mil,
Toca de novo o seu fatal motivo:

Um quê de melancólico e solene
— E para todo o sempre evocativo —
Na frauta enferrujada de Verlaine...


Mario Quintana
- A Rua dos Cataventos, 1940

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

DE LONGE PARA LONGE




Embora as vejas daqui,
dentro deste mesmo ar,
as velhas catedrais
estão no fundo do mar,
cantando...

Vozes de sinos ou de preces
- é da tua alma que elas,
às vezes, surgem à tona...

E esses velhos caminhos,
embora os vejas daqui
sabes aonde irão dar?

Caminhos são mais antigos
que a redondeza da terra.
Eles não descem os horizontes...
seguem, sozinhos, no ar.

(E ai dos caminhos que levam
de volta ao mesmo lugar!)

Dizem que os deuses morreram?
Um deus sempre está sepulto
para depois ressuscitar...

Viemos do fundo do mar,
no entanto, estamos na Lua...
Mas como se há de parar?

(Homens, sementes ocultas
cujo sonho é germinar...)

E àquele que um dia foi
do antigo Jardim expulso

ofertaremos os frutos
da Grande Árvore Estelar.


Mario Quintana
In Baú de Espantos

domingo, 28 de setembro de 2014

BILHETE ATIRADO NO FUNDO DO TEMPO



Meu Deus, Catarina... ou eras Conceição... ou
Marianinha...
Mas aquelas tuas tranças
que eu sou capaz de jurar que tinham vida própria...
uma vez uma delas quase se incendiou - de louca! -
na chama de um lampião. Minha boa menina...
minha pobre senhora, talvez ainda tenhas contigo
aquele velho lampião familiar.
Vai buscá-lo, as coisas duram tanto, duram mais do
que a gente, mais do que as almas até...
Vai, traze-o de novo para a mesa.
E pode ser que te lembres, pode ser que me lembres.
Mas são coisas antigas, antigas...
Perdoa, eu nem sei como fui escrever-te...
São coisas tão antigas
que decerto já deves estar morta!


Mario Quintana
In Baú de Espantos

UMA HISTORINHA MÁGICA




Para lili

Era um burrinho azul, vindo do céu
Via-o de madrugada no meu sonho...
E eu sempre lhe servia, em meu chapéu,
bolas-de-inhaque feitas de arco-íris!

Nunca as achei por isso nos bazares
quando a cidade despertava, exata,
e só restava da Cidade Oculta
um passo leve de menina-flor...

E era um menino preguiçoso e triste
e quando ele sorria por acaso
ninguém lhe fosse perguntar por quê!

Ele sabia histórias sem enredo
pois não queria que acabassem nunca
- Era um burrinho... uma menina... e...

Mario Quintana
In Baú de Espantos

sábado, 27 de setembro de 2014

POESIA PURA


Foto by Claudio Pereira

Um lampião de esquina
Só pode ser comparado a um lampião de esquina,
De tal maneira ele é ele mesmo
Na sua ardente solidão!

Mario Quintana ,
de Apontamentos de História Sobrenatural

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

XXV



Da paz interior


O sossego interior, se queres atingi-lo,
Não deixes coisa alguma incompleta ou adiada.
Não há nada que de um sono mais tranqüilo
Que uma vingança bem executada...


Mario Quintana
In: Espelho Mágico

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

A SESTA



O vento cheio de idéias vãs
põe-se a pensar em outras coisas...
O cão que ao mormaço repousa
fareja o ar morno. As venezianas
listram o silêncio, enquanto em torno
o frescor das jarras e das louças
espera... enquanto, da parede, olha-me
o gelo do relógio
e um cheiro insistente de maçãs
convida-me
como se eu não estivesse deliciosamente morto e de
sapatos sobre
os arabescos da colcha.

Mario Quintana
In Baú de Espantos

XXX




Do eterno mistério

“Um outro mundo existe... uma outra vida...”
Mas de que serve ires para lá?
Bem como aqui, tu’alma atônita e perdida
Nada compreendera...


Mario Quintana
In: Espelho Mágico

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

CASAS




Para Cecília Meireles

A casa de Herédia, com grandes sonetos dependurados como panóplias
E escadarias de terceiro ato,

A casa de Rimbaud, com portas súbitas e enganosos
corredores, casa-diligência-navio-aeronave-pano
onde só não se perdem os sonâmbulos e os copos de dados,

A casa de Apollinaire, cheia de reis de França e
valetes e damas dos quatro naipes e onde a
gente quebra admiráveis vasos barrocos correndo
atrás de pastorinhas do século XVIII,

A casa de William Blake, onde é perigoso a gente entrar,
Porque pode nunca mais sair de lá,

A casa de Cecília, que fica sempre noutra parte...

E a casa de João-José, que fica no fundo de um
poço, e que não é propriamente casa, mas uma
sala-de-espera no fundo do poço.


Mario Quintana,
in “O Aprendiz de Feiticeiro” 

terça-feira, 23 de setembro de 2014

UM NOME NA VIDRAÇA




A guriazinha
desenha as letras do seu nome na vidraça
- encantadoramente mal feitas -
as letras escorrem...
Enquanto isto,
umas pessoas morrem,
outras nascem...
Entre umas e outras,
viro mais uma página
desta novela policial.
E exatamente à página , verifico,
quando o herói vai torcendo cautelosamente o trinco
da porta,
interrompo
a leitura
e ele e todos os outros personagens ficam parados.
Eu sou o Deus catastrófico: não ligo.
olho agora a litografia da parede
- um trigal muito louro e acima dele apenas uma asa
contra o céu azul.
É como se eu abrisse uma janela na frustração da
chuva!
Bem, neste momento as pessoas já devem ter morrido
ou nascido
A verdade, minha filha,
é que eu não sei como parar este poema:
nos dias de chuva sobem do fundo do mar os navios
fantasmas
sobem ruas, casas, cidades inteiras,
e procissões, manifestações, os primeiros
e os últimos encontros, o padre-cura e o boticário
discutindo política na esquina...
(A guriazinha
apaga as letras lacrimejantes da vidraça.
E recomeça...)

Mario Quintana
In Baú de Espantos

METAMORFOSES DO VENTO



Pterodáctilo, serpente sinuosa, manada
De potros, monstro
Arquejante e cravado de bandeirolas
Pelos Anjos que limpam as vidraças do Céu,
Préstito
De espantalhos aos pulos,
Ululos
De loucos, cicios
De freiras, o vento
Tem todas as formas... O triste
É que ninguém consegue vê-las...
Ah, se um dia
Nós e todo o universo
Ficássemos de súbito invisíveis
Aí, então,
O vento
Seria
Senhor do Mundo, Imperador dos Poetas!

Mario Quintana
In Baú de Espantos

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

SONETO PÓSTUMO



- Boa tarde... - Boa tarde! - E a doce amiga
E eu, de novo, lado a lado vamos!
Mas há um não sei quê, que nos intriga:
Parece que um ao outro procuramos...

E, por piedade ou gratidão, tentamos
Representar de novo a história antiga.
Mas vem-me a idéia... nem sei como a diga...
Que fomos outros que nos encontramos!

Não há remédio: é separar-nos, pois.
E as nossas mãos amigas se estenderam:
- Até breve! - Até breve! - E, com espanto

Ficamos a pensar nos outros dois.
Aqueles dois que há tanto já morreram...
E que, um dia, se quiseram tanto!

(junho de 1952)

Mario Quintana
In Baú de Espantos


No silêncio Terrível



No silêncio terrível do Cosmos
Há de ficar uma última lâmpada acesa.
Mas tão baça
Tão pobre
Que eu procurarei, às cegas, por entre papeis
revoltos,

Pelo fundo dos armários,
Pelo assoalho, onde estarão fugindo imundas
ratazanas,

O pequeno crucifixo de prata
- O pequenino, o milagroso crucifixo de prata que 
tu me deste um dia

Preso a uma fita preta.
E por ele os meus lábios convulsos chorarão
Viciosos do divino contato da prata fria...
Da prata clara, silenciosa, divinamente fria - morta!
E então a derradeira luz se apagará de todo...



Mario Quintana;
in : Aprendiz de Feiticeiro

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

SONETO



Para Sandra Ritzel

A morte escolhe com gentil cuidado
e não às cegas, no dizer das gentes.
Quantas já vi no seu caixão doirado
com seus lindos perfis adolescentes...

Pareciam voltar a um internato
depois de haverem terminado as férias...
Mas lá seguiam todas, muito sérias,
- as mais pequenas para um orfanato.

Hoje, porém, são tantos os cuidados
se custa a morrer na flor dos anos...
Mas que mundo, que sonhos, que esperanças

se houvesse apenas jovens e crianças,
e os Poetas... que não têm nenhuma idade
e inauguram o mundo a cada instante!


Mario Quintana
In Baú de Espantos

ESSES ETERNOS DEUSES...




Para Liane Dos Santos

Os deuses não sabem apanhar o momento esvoaçante
como quem aprisiona um besouro na mão,
não sabem o contacto delicioso, inquietante
do que - só uma vez! - os dedos reterão...
Em sua pobre eternidade, os deuses
desconhecem o preço único do instante...
e esse despertar, ainda palpitante,
de quem cortasse em meio um sonho vão.
No entanto a vida não é sonho... Não:
aberta numa flor ou na polpa de um fruto,
a vida aí está, eterna: nossa mão
é que dispõe apenas de um minuto.
E todos os encontros são adeuses...
(Como riem, meu pobre amor... Como riem, de nós,
esses eternos deuses!)

Mario Quintana
In Baú de Espantos

O ANJO




Para Eloi Callage

O meu Anjo da Guarda de asas negras
tem uns olhos tão verdes como os teus.
E a mesma pele mate e... benza-o Deus!...
também teus mesmos lábios dolorosos...

Como o prendeste assim num sortilégio,
para ficares - sempre - junto a mim?!
Ou fui eu que inventei tua aparência,
nesta longa loucura sem remédio...

Pois não só neste como no outro mundo
o quanto eu vejo se transforma em ti.
Sei lá se o Anjo entende uns tais mistérios...

Só sei que certa noite o pressenti...
Mas baixei os meus olhos incestuosos
e os meus lábios sacrílegos mordi!


Mario Quintana
In Baú de Espantos

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Do PENSAMENTO




Eu penso em ti. Sabias que isso é uma coisa maravilhosa?
A primeira criatura que pensou numa outra criatura ausente
como deve ter se espantado! Não sabia que se tratava do
seu primeiro pensamento humano.

Mario Quintana,
in Caderno H

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Este Quarto...



Para Guilhermino César

Este quarto de enfermo, tão deserto
de tudo, pois nem livros eu já leio
e a própria vida eu a deixei no meio
como um romance que ficasse aberto...

que me importa esse quarto, em que desperto
como se despertasse em quarto alheio?
Eu olho é o céu! imensamente perto,
o céu que me descansa como um seio.

Pois o céu é que está perto, sim,
tão perto e tão amigo que parece
um grande olhar azul pousado em mim.

A morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim...


Mario Quintana,
in Apontamentos de História Sobrenatural

SONETO XII




Tudo tão vago... Sei que havia um rio...
Um choro aflito... Alguém cantou, no entanto...
E ao monótono embalo do acalanto
O choro pouco a pouco se extinguiu...

o Menino dormira... Mas o canto
Natural como as águas prosseguiu...
E ia purificando como um rio
Meu coração que enegrecera tanto...

E era a voz que eu ouvi em pequenino...
E era Maria, junto à correnteza,
Lavando as roupas de Jesus Menino...

Eras tu... que, ao me ver neste abandono,
Daí do Céu cantavas com certeza
Para embalar inda uma vez meu sono!...


Mario Quintana, 
in A Rua dos Cataventos - 1940

domingo, 14 de setembro de 2014

PROJETO DE PREFÁCIO




Sábias agudezas... refinamentos...
– não!
Nada disso encontrarás aqui.
Um poema não é para te distraíres
como com essas imagens mutantes de caleidoscópios.
Um poema não é quando te deténs para apreciar um detalhe
Um poema não é também quando páras no fim,
porque um verdadeiro poema continua sempre...
Um poema que não te ajude a viver e não saiba preparar-te para a morte
não tem sentido: é um pobre chocalho de palavras.

Mario Quintana 
Baú de Espantos




sábado, 13 de setembro de 2014

O PRETO



O preto tem a vantagem de realçar as cores
que o cercam sem nada perder no entanto da
sua própria e grave afirmação.

Mario Quintana,
in Caderno H

VERSO PERDIDO



...eu te amo a perder de vista.

Mario Quintana,
in Caderno H