Maria, nunca mais me escrevas a máquina.
Isso dá a impressão de falta de sinceridade. Porque,
quanto a mim, não sei pensar a máquina. Só a lápis
ou esferográfica.
Com a esferográfica, então, e ainda
mais quando em papel gessado, o pensamento vai
deslizando como esqui sobre a neve, como um trenzinho
– tuc, tuc, tuc – atravessando, preto sobre branco,
solidões geladas do norte do Canadá.
Com a máquina é o contrário: os dois fura-bolos com
que datilografo são uns magros galináceos bicando,
rápidos, vorazes, qualquer sementinha, qualquer
grãozinho de idéia que apareça. Nada vinga, nada
brota, e a página que ficou não é propriamente em
branco, porque se me afigura um chão de terreiro
deserto, poeirento e cheio de cocôs.
E depois, como pode ser íntima uma carta escrita a
máquina? Traz idéia de distância, de pequena mas
intransponível distância…
como um beijo dado de máscara.
Mario Quintana,
in Caderno H
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