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segunda-feira, 16 de março de 2015

As Belas, As Perfeitas Máscaras



As belas, as perfeitas máscaras de perfil severo
Que a morte, no silêncio, esculpe,
Encheram-se de uma estranha claridade...
Que anjos tocam, através do mundo e das estrelas,
Através dos sensíveis rumores,
O canto grave dos violoncelos profundos?
Alma perdida, vagabunda, Messalina sonâmbula,
insaciada...


Que procuras na noite morta, Alma transviada,
Com tuas mãos vazias e tristes?
Cantam os violoncelos... A noite sobe como um
balão...

Meus olhos vão ficando cada vez mais lúcidos...
Soluçam os violoncelos... Ah,
Como é gelado o teu lábio,
Pura estrela da manhã!


Mario Quintana;
De: Aprendiz de Feiticeiro, 1950

[Arte de Maria Sollozi ]

O SILÊNCIO


Há um grande silêncio que está à escuta...
E a gente se põe a dizer inquietamente qualquer coisa,
qualquer coisa, seja o que for,
desde a corriqueira dúvida sobre se chove ou não chove hoje
até a tua dúvida metafísica, Hamleto!

E, por todo o sempre, enquanto a gente fala, fala, fala
o silêncio escuta...
e cala.


Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo

VIDA






Não sei
o que querem de mim essas árvores
essas velhas esquinas
para ficarem tão minhas só de olhar um momento.

Ah! se exigirem documentos aí do Outro Lado,
extintas as outras memórias,
só poderei mostrar-lhes as folhas soltas de um álbum
de imagens:
aqui uma pedra lisa, ali um cavalo parado
ou
uma
nuvem perdida,
perdida,
Meu Deus, que modo estranho de contar uma vida!


Mário Quintana
In: Esconderijos do Tempo

Epílogo

 
Não, o melhor é não falares,
não explicares coisa alguma.
Tudo agora está suspenso.
Nada aguenta mais nada.
E sabe Deus o que é que desencadeia as catástrofes,
o que é que derruba um castelo de cartas!
Não se sabe...
Umas vezes passa uma avalanche
e não morre uma mosca...
Outras vezes senta uma mosca
e desaba uma cidade.



Mario Quintana,
de: Sapato Florido, 1948.

XXII



 Dos nossos males
É sem razão, e é sem merecimento,
Que a gente a sorte maldiz:
Quanto a mim, sempre odiei o sofrimento,
Mas nunca soube ser feliz...



Mario Quintana,
in Espelho Mágico

XXXI



É outono. E é Verlaine... O Velho Outono
Ou o Velho Poeta atira-me à janela
Uma das muitas folhas amarelas
De que ele é o dispersivo dono...

E há uns salgueiros a pender de sono
Sobre um fundo de pálida aquarela.
E há (está previsto) este abandono...
Ó velhas rimas! É acabar com elas!

Mas o Outono apanha-as... E, sutil,
Com o rosto a rir-se em rugazinhas mil,
Toca de novo o seu fatal motivo:

Um quê de melancólico e solene
— E para todo o sempre evocativo —
Na frauta enferrujada de Verlaine...


Mario Quintana
- A Rua dos Cataventos, 1940